“Quando jejuardes, não tomeis um ar triste como os
hipócritas, que desfiguram o semblante para que os homens vejam que eles
estão jejuando. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
Vós, porém, quando jejuares, ungi a cabeça e lavai o rosto, afim de não
mostrardes aos homens que estais jejuando, mas somente ao vosso Pai, que está em secreto; e vosso Pai, que vê em oculto, vos recompensará.” (Mateus, 6:16-18.)
O décimo dia, do sétimo mês, era dos mais importantes, no calendário
religioso judeu. Era o dia nacional de expiação dos pecados do povo,
quando, em cerimonial com sacrifícios de animais, os sacerdotes
libertavam as comunidades de seus pecados.
O povo era levado a participar com abstinência completa de
trabalho e alimentação. O jejum se apresentava como empenho de
mortificação do corpo para depuração da alma. E Moisés, que instituiu a
prática, revestiu-a de autoridade divina, proclamando que Jeová castigaria aqueles que não a observassem.
Outros dias foram consagrados ao jejum, que era também usado nos
tempos de calamidade pública, de grandes dificuldades para o povo,
considerando-se que com semelhante sacrifício Jeová atenderia aos
reclamos populares.
Como acontece com todo culto exterior, em breve o jejum deixou de
servir à religião para servir ao religioso. Os judeus submetiam-se ao
jejum, não por empenho de purificação, mas apenas para mostrar que
observavam com rigor os preceitos divinos.
Os fariseus, por exemplo, jejuavam duas vezes por semana. Nesses
dias, para evidenciarem que isto representava sacrifício para eles,
apresentavam as vestes mal arrumadas, barba e cabelo em desalinho,
expressão torturada... É provável que nem mesmo estivessem jejuando, já
que o importante era a aparência.
Jesus combate esse comportamento, recomendando que o jejuante se
mantenha sereno, dentro da normalidade, em sua apresentação pessoal,
buscando não a apreciação dos homens, mas a aprovação de Deus. Se a
finalidade do jejum é a purificação, ensejando a comunhão com o céu,
trata-se de um assunto muito íntimo, entre o servo e o Senhor, entre a
criatura e o Criador. A propaganda em torno do jejum seria mera
manifestação de vaidade, invalidando totalmente seus objetivos.
Jesus nunca deu importância às
práticas
exteriores. Não o vemos promovendo cerimônias, nem rezas. Suas
reuniões, com os seguidores, eram totalmente despidas de formalismos. E
ele falava com simplicidade, sem fórmulas verbais, sem vôos de erudição,
de preferência em contato com a Natureza, sempre pronto a responder a
perguntas, fazendo do diálogo com o povo a base de seus inesquecíveis
ensinamentos.
Por isso não jejuava, nem Ele nem seus discípulos. E àqueles que o
acusavam de desrespeitar o culto judeu, respondia citando o profeta
Oséias: “Misericórdia quero e não sacrifício.” Para a comunhão com o céu
é muito mais importante praticar o bem do que mortificar o corpo.
Pode-se considerar
benéfico
o jejum sob o ponto de vista fisiológico. Algumas horas sem alimentos
ou mesmo um dia, para as pessoas habituadas a essa prática, favorecem a
desintoxicação orgânica. Mas, espiritualmente, o jejum que realmente
funciona é o da abstinência de maus pensamentos, de sentimentos
inferiores, venenos sutis que desajustam nossa Alma, candidatando-nos à
perturbação.
Jesus se refere ao jejum, período de privações e até de dores para
aquele que o pratica, como base para nos advertir de que devemos
conservar a dignidade e o silencio em relação aos próprios sofrimentos.
Há uma arraigada tendência em nossos Espíritos, no sentido de
fazermos propaganda de nossos males, porquanto, consciente ou
inconscientemente, gostamos de nos sentir vítimas das circunstâncias, do
Destino, do semelhante...
- Minha doença é muit grave!
- Meus familiares são maus!
- Meus amigos não me entendem!
- Ah! Como é grande a perda que sofri!
É gratificante para nós que todos saibam que estamos sofrendo, como se isso nos situasse na condição de heróis.
Todavia, esse heroísmo lamuriante cheira muito mais a fraqueza, a
volúpia da mágoa. Aqueles que assim se comprazem precisam considerar que
acabam por provocar reações diametralmente opostas às pretendidas,
entre amigos e familiares, afastando-os, porquanto nada mais terrível do
que a convivência com pessoas sofredoras por vocação, que elegeram a
condição de vítimas eternas!
Nos períodos de jejum – quando sofremos a provação da saúde,
da afetividade, da fortuna – é preciso seguir a recomendação de Jesus:
erguer a cabeça, mantendo expressão serena, calando a própria dor,
confiantes em Deus. E Ele, que tudo vê, encontrará em nós a disposição ideal para que nos possa ajudar.
Do Livro – A Voz do Monte – Richard Simonetti